Vivo numa eterna dialética. Às vezes me sinto de mãos vazias, com a
sensação de não ter conquistado tudo o que alguém da minha idade deveria ter
para andar sozinho. Outras vezes, sinto minhas mãos tão cheias de uma carga tão
pesada que pareço ter oitenta anos de acúmulo dela. A partir daqui, tenho duas
sensações: uma de ter tanta experiência de vida pensada (como se o meu pensar
fosse o meu viver) que conseguiria carregar um mundo nas costas sem cansar, e a
outra é oposta, como se essas oito décadas metafóricas tivessem enfraquecido
meus ossos de fato e me dessem indisposição suficiente para tentar um passo.
Sei que tenho muita vida ainda para respirar, e sei que possuo muitas
ferramentas que me empurram a todo instante para frente. Mas como posso usá-las
se não encontro um sentido para continuar vivendo? Sinto sono e quero dormir,
porque sonhar é muito melhor do que levantar e sair de casa, e minha cama é bem
mais confortável do que sentir minhas pernas doendo de tanto ficar em pé, e as
paredes do meu quarto não me julgam. É aqui onde todas as ferramentas que
acumulei para conquistar uma boa vida podem enferrujar e desaparecer com o
tempo. Se isso acontecer, lá na frente vou saber que no fundo foi culpa minha,
porque fui eu que não as utilizei enquanto ainda eram novas e enquanto eu ainda
tinha força em meu corpo jovem.
Não é todo dia que eu sei o que eu quero ser, para onde quero ir. Nem
sempre sei o que me move. Queria uma certeza, mas saber que acumular certezas
não é interessante para manter a prerrogativa de aprendizagem constante. Bom,
isso não deixa de ser uma certeza, mas, teoricamente, ela seria necessária,
afinal. A questão é que procuro verdades para abraçar e diminuir minhas pressa
e angústia, mesmo sabendo que provavelmente eu encontraria outra insatisfação.
Eu quero conhecer o mundo. Ah, quero, sim! Mas não sozinha. Não de
qualquer forma. Não sem conseguir chegar tão perto para vê-lo com as mãos e
ouvi-lo com o coração. Antes preciso de um norte. Aliás, acabei de perceber que
posso achá-lo durante.
APC
26 de dezembro de 2013