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terça-feira, 6 de julho de 2010

Ora, que cofre, mêrmão?!

História baseada em fatos, ou seja, é real.

Pode parecer estranho, mas perco tempo pensando em infortúnios que poderiam me acontecer. Um câncer no meu cérebro, um sequestro de mim por três semanas, um acidente trágico, um assalto... E com esses pensamentos, penso nas possíveis consequências e reações que eu poderia ter, claro!

Sobre assaltos, sempre imaginei diversas maneiras de escapar. Aí a imaginação corre alucinada: com arma, finjo ser surda, muda, doida ou retardada; sem arma, meu dedo vai com força na traquéia do indivíduo (do lado de fora, óbvio) ou meu joelho vai em um lugar estratégico, sensível e de fácil alcance; na multidão, grito; sozinha, finjo desmaio. E assim vai. Mas eu nunca imaginei passar por um assalto no qual minha mãe – a criatura que eu mais amo no mundo – estivesse junto. E foi isso que aconteceu no último dia 26 de junho. Os elementos, como os policiais desses programas sangrentos costumam substantivar, resolveram entrar na minha casa munidos de armamento e abordar três criaturas (minha irmã, mamãe e eu) que não tinham sequer uma serrinha de unha pra se defender.

Pra mim, aconteceu assim... (digo “pra mim” porque só participei da abordagem no final – que pena, poderia ter sido mais divertido - , já que eu estava em outro mundo, na frente do computador, ouvindo música a vinte mil decibéis com a porta do quarto fechada). Bom... Quando eu ouvi minha irmã chorando e gritando desvairadamente, ela já tinha aberto o portão para os meliantes, já tinha sido agarrada e ameaçada com uma arma, mamãe já tinha exercido parte do papel de Mulher Maravilha que ela sempre adota e libertado a maninha pra negociar outra coisa, e já rolava altos papos na sala.

E foi quando eu ouvi minha irmã chorando e gritando desvairadamente que eu aterrissei na Terra. Imaginei que ela estivesse levando mais que uma bronca da minha mãe, o que é normal. Pausei a música pra ouvir melhor, mas não escutei os gritos irados de mamãe. Apurei os ouvidos e a ouvi só pedindo “calma, calma...” ao invés de bradar “tu tá muito atrevida e saidinha, pensando que é a dona do próprio nariz!”. Então imaginei: “minha irmã deve ter se arrebentado toda numa queda de não sei onde e rachou o crânio em quatro partes, ou brigou com o namorado e tá desesperada agarrada com o travesseiro e minha mãe tá tentando ajudar acalmando. Vou ver qual das opções eu marco!” Abri a porta na curiosidade e me deparei com dois capacetes estressados em cima de corpos desconhecidos em pé na sala da minha casa encarando minha mãe. Lenta como minhas sinapses são, demorei pra captar e, por impulso, perguntei: “o que tá acontecendo aqui?”. Acho que minha mãe respondeu: “olha, Adriane, um assalto!!”, mas eu não precisava mais de explicações depois de ver a arma quilométrica na mão de um deles (nunca imaginei que fosse tão grande ao vivo – a do 007 fica no chinelo da humildade, garanto – senti até o peso dela!). Daí, vejam só, dois olhos dentro de um dos capacetes se dirigiram a mim e eu ouvi uma voz perguntando com pressa: “cadê o cofre?”. Não agüentei. Não sei se foi com o intuito de tentar convencer de que não tinha cofre nenhum ou pelo absurdo de alguém me perguntar isso com tamanha ousadia dentro da minha própria casa, eu ri (não muito): “ora, que coooofre, mêrmão?!” (deu vontade de perguntar se ele estava achando que tinha entrado no Banco do Brasil, mas fazer piada com assaltante nervoso e armado pode ser suicídio, e eu quero ir pro céu quando morrer). Então só pedi calma pra gente conversar. Foi quando percebi que, também tentando convencer da não-existência de um cofre em casa, estava a minha mãe (a melhor mãe do mundo e a única que eu tenho) a trinta centímetros de uma arma acompanhada de um delinquente desequilibrado psicologicamente faminto por um dinheiro que seria usado pra pagar os fornecedores de crack, bancar a maconha da semana e comprar mais balas pra praticar mais assaltos! Bom, talvez, né... Tudo bem que ela, a arma, estava ladeando a perna do assaltante e apontada pro chão, mas estava em punho! Era uma circunstância que prenunciava o mal, ora! Aí cai em mim e lembrei dos meus pensamentos mórbidos e das minhas reações estratégicas. O tico e o teco trocaram uns tapas: “o que fazer? O que fazer? Reação, reação!!”. Resolvi me aproximar, tentando ficar entre minha progenitora e o larápio munido, me planejando pra dar um duplo twist carpado nele (estilo Daiane dos Santos), então o bichinho deve ter ficado com medo e disse que iria “sair na boa”, e saiu! Ah, mas eu não deixei por menos! Quando eles deram as costas, eu atirei uma chinela no pescoço do baixinho armado e um tamborete de madeira nas costas do outro!! Pensam que é assim?! Entram na minha casa, ameaçam a minha família e vão “sair na boa”?? Tá... Mentira... Eu os acompanhei com mamãe até o portão pra trancar os ferrolhos quando eles passassem.

No fim de tudo, eu achei engraçado... Eles acreditaram no teatro da gente! Bom... Mas não tinha cofre mesmo (exceto minha latinha de biscoitos na prateleira de cima do meu guarda-roupa com umas moedinhas substituindo as extintas bolachinhas doces). Existia dinheiro em casa, não cofre (lembrando agora, eu acho que eles perguntaram pelo dinheiro também... Droga, esqueci de dizer que tinha!)

E quando eles saíram, gritei por trás do portão (já trancado, óbvio): “E não voltem mais não, viu?!!!”. Pena que não usei minhas cordas vocais pra isso.


Adriane Ponte Cisne

6 de julho de 2010