Não queria esquecer daquela sensação de sair de
casa para trabalhar – principalmente por ser longe dela – pela primeira vez
depois da formatura. Foi angustiante. Muito mais que isso! Fiz planos o
suficiente para lidar com diversas situações por saber que estaria viajando
para onde nunca fui. Pus dificuldade em várias coisas, muitas vezes sem visível
intenção, talvez porque não quisesse mesmo trabalhar, nem ir embora. Notando
que espernear já não funcionava, chorei o percurso inteiro vendo que não tinha
mais nada para fazer, e aceitei o que já estava imposto.
Desde os últimos semestres da faculdade, as
despedidas vinham se tornando rotina, e não foram nem um pouco agradáveis. Da companhia
diária dos colegas de sala, dos professores, de alguns amigos, das aulas, do
prédio, dos estágios, do título de estudante, de um certo nível de
irresponsabilidade aceitável... E, agora, da minha casa e da minha família, das
minhas aulas de música, da academia, das saídas noturnas com os amigos. Parece
um pouco dramático, mas tinha certeza de que sentiria muita falta, mesmo
sabendo que para eles não passaria de um “até logo”. Vi meus dias mudarem muito
rápido, mas entendi que isso aconteceria cedo ou tarde e que seria patológico
se não o fizesse. Há muito tempo vinha elaborando minha saída,
desacostumando-me – sem sucesso – da minha família tão presente, do meu quarto
tão confortável e seguro, da minha casa tão cheia de mim. Mas arrumei uma mala
pequena apenas com o necessário e sai.
Reitero: foi angustiante. Chorei, ouvi músicas,
li, escrevi, chorei mais. Dormi mal, fiquei trancada, andei no sol. Dirigi,
ouvi muitas músicas altas, cantei até quase perder a voz. Morei sozinha, aluguei
e organizei um apartamento, lavei roupas, comprei comida, revirei algumas
noites na rede desconfortável demais para a minha impaciência. Depois dormi
muito por querer fazer nada, nem sequer pensar. Fiz planos para me convencer de
que estaria no caminho certo.
Trabalhei. Muito! Ajudei a organizar um serviço
que estava nascendo com a minha chegada, suprindo necessidades desde copos e
canetas até às documentações burocráticas e chatas. Estudei mais. Conheci muita
gente, fiz amigos. Fiquei conhecida e aceitei o “doutora” para quem não se interessava
nem sob insistência em decorar meu nome. Aprendi muito! Lidei com o
desconhecido, com autoridades, com os obstáculos peculiares ao serviço público,
com a responsabilidade de ser profissional e de ser ouvida e atendida.
Trabalhei minha serenidade para encarar isso e optei por não deixar o bom humor
em segundo plano. Acredito que tenha dado certo e tenha conseguido contribuir
um pouco.
A adaptação foi sofrida, confesso, mas foi
rápida. As noites, que começavam às 4:30h da tarde e terminavam às 8h da manhã,
rapidamente encurtaram diante do tanto que tive para elaborar. “Não sei nem o
que fazer com tudo isso” foi o que eu disse a um amigo próximo com o qual tive
muito contato também nesses dias. Mas soube o que fazer, afinal de contas:
deixei acontecer. Rasguei o peito para consertar a saudade e sintonizar meus
desejos. E tive “nada a temer senão o correr da luta, nada a fazer senão
esquecer o medo”, como Milton cantou. Medo mesmo, na verdade, não tive. Se
tinha algo para esquecer, não era isso, mas, sim, o conforto de uma vida
facilitada por outros.
Cliniquei em 30 dias quase o que havia feito em
10 meses de estágio – em número de pessoas, e não de atendimentos, obviamente. Atendi
muitas angústias e surtos, ouvi histórias diferentes, machuquei o pulso por
escrevê-las em manuscrito, e ainda nem as terminei. Foram 22 vozes chorosas e/ou
reclamantes e, para muitas, fui a última esperança. Para uma, fui o último
recurso antes da corda no pescoço.
Ganhei pouco em cheque, mas não me deixei
insatisfazer demais. Foi uma experiência que não cabe aqui e, de tão grande,
parece inacreditável que caiba em um mês.
Então, agora, tenho que encarar outra
despedida. Da equipe já tão engrenada, dos planos animadamente arquitetados com
todos, das esperanças depositadas em mim por tantos e por mim mesma. O motivo é
simples: outra instituição me encontrou, chamou-me e eu aceitei. Pelas
condições de trabalho serem absolutamente mais interessantes e pela alta
pressão alheia para que consentisse – família, amigos e colegas de trabalho
foram unânimes –, eu disse sim a esta nova experiência que nem me deixou chamar
a anterior de velha. Também pela esperança de que eu continue aprendendo e
conhecendo um pouco mais do mundo profissional.
Assim, amanhã é meu último dia de trabalho
aqui. Vou arrumar aquela mala pequena de novo e juntar as outras poucas coisas
num matulão. Mas ainda sei que vou precisar me adaptar novamente, sem me
permitir descansar demais.
Vou, mas levo uma dúvida: estou voltando para
casa, e não consigo decidir se é bom ou ruim.
Adriane
Ponte Cisne
11
de setembro de 2014